15/02/2018

Operários do Museu da Língua Portuguesa têm aulas de arte no canteiro de obras

Enquanto reconstroem a instituição, trabalhadores frequentam oficinas com leituras e aulas de desenho

POR JUSSARA SOARES

SÃO PAULO — Montador de andaime, Daniel de Souza Moraes, de 35 anos, é morador da periferia de São Paulo e parou de estudar no primeiro ano do ensino médio, quando começou a trabalhar na construção civil. Na tarde de terça-feira da semana passada, no centro da capital, ele folheava livros com obras de Gustav Klimt, Paul Gaugin e Rembrandt. Com o filho de sete meses na cabeça, decidiu tentar reproduzir “Jean e Gabrielle”, obra do impressionista Pierre-Auguste Renoir.

— Sempre gostei de desenho quando era criança. Gostava de ver nos livros tudo o que esses caras faziam e ficava impressionado. Hoje, voltei um pouco a esse tempo — diz ele, que já trabalhou como pintor de parede.

Daniel é um dos 85 operários que trabalham na reconstrução do Museu da Língua Portuguesa, atingido por um incêndio em dezembro de 2015. A cada 15 dias, parte deste grupo para suas atividades na construção para passar uma tarde entre livros de artes e técnicas de desenho, pintura e escultura. A iniciativa faz parte do projeto Canteiro de Artes, que integra o programa de reconstrução do Museu da Língua Portuguesa, uma iniciativa do Governo do Estado de São Paulo com concepção e realização da Fundação Roberto Marinho.

Desde sua inauguração, em março de 2006, até o incêndio, nove anos depois, o Museu da Língua Portuguesa recebeu quase 4 milhões de visitantes. Mas poucos dos operários que atuam na reconstrução do prédio conheciam o espaço, que deve ser reinaugurado em 2019.

As oficinas voltadas aos trabalhadores também exploram a linguagem e as formas de comunicação e expressão.

— Essa atividade é, ainda, um resgate da importância do trabalho do operário. No passado, esses profissionais eram os artistas. O que mudou foi o olhar da sociedade sobre essa função — diz o arte-educador Caio Salay, da ONG Mestres da Obra, que há 15 anos atua na valorização dos profissionais da construção civil.

As atividades para os trabalhadores do museu começaram a ser realizadas em outubro e seguirão até julho. Ao todo, serão 20 encontros.

Gerente de projetos da Unidade de Patrimônio e Cultura da Fundação Roberto Marinho, Deca Farroco diz que o Canteiro de Artes busca conectar o trabalhador com o local que ele está reconstruindo:

— Quisemos trazer o operário para o protagonismo da obra. As oficinas são importantes para que eles se conectem com o museu que estão reconstruindo. Queremos que a passagem deles por essa reconstrução não seja anônima.

ELO COM O QUE CONSTROEM

No ateliê onde ocorrem as oficinas, ficam expostos os trabalhos feitos pelos operários. A ideia é que, no fim, toda a produção seja apresentada ao público.

— Muitos trabalhadores até sabiam do museu, mas nunca tinham entrado lá. Hoje já falam em trazer a família. O projeto também contribui para criar essa relação de afeto entre o operário e a reconstrução. Eles começam a perceber que são personagens ativos dessa história — diz Deca Farroca.

A reconstrução do Museu da Língua Portuguesa tem como patrocinadores a EDP, o Grupo Globo, o Grupo Itaú e a Sabesp, e apoio do Governo Federal por meio da lei federal de incentivo à cultura.

Fonte: O Globo